Na azáfama do nosso dia a dia, pontuado pelo imediato e pelo espetacular, é fácil perder a beleza que nos rodeia. No entanto, os lugares banais – as ruas secundárias que percorremos mecanicamente, os cafés onde nos sentamos sem pensar, os parques com caminhos que já percorremos centenas de vezes – têm um potencial inesgotável para aqueles que sabem observar.

Então, como captar esta magia discreta e transformá-la numa fonte de inspiração para as suas criações? Eis uma viagem poética pelas voltas e reviravoltas do quotidiano.

Redescobrir o extraordinário no vulgar

Cada esquina, cada prateleira empoeirada num sótão, esconde uma história. A chave está na nossa capacidade de nos libertarmos dos nossos preconceitos visuais.

Pergunte-se: como é que eu veria este lugar se o estivesse a descobrir pela primeira vez? Talvez ao meio-dia, a luz de um candeeiro de rua se disperse num fascinante jogo de sombras sobre uma fachada. Talvez o reflexo de uma janela transforme uma cena vulgar numa pintura surrealista.

Exercício prático: Leve a sua máquina fotográfica para um local que considere aborrecido. Passe lá uma hora, sem qualquer objetivo específico, apenas a observar. Procure padrões, texturas e contrastes inesperados. Ficará surpreendido com o que descobrir.

Ligue-se à alma de um lugar

Os lugares têm uma alma. Estão impregnados das energias daqueles que viveram neles, passaram por eles e os amaram. Para perceber esta alma, é preciso abrandar e render-se à ressonância de um lugar.

Imagine uma estação de comboios deserta. O seu vazio fala de partidas e reencontros. Capte o eco de passos imaginários ou o silêncio imponente dos seus bancos esquecidos.

Dica: antes de fotografar, feche os olhos e ouça. Que sons, cheiros ou sensações se destacam? Estas impressões sensoriais podem orientar a sua escolha de enquadramento e iluminação.

Brincar com a mudança de luz

A luz é o pintor silencioso de cada cena. O mesmo local pode transformar-se radicalmente consoante a hora do dia ou as estações do ano. O brilho suave de uma manhã enevoada difere do brilho mordaz de uma tarde de verão.

Reserve algum tempo para observar como a luz acaricia as superfícies. Como dança através da folhagem ou reflecte numa parede de tijolo. É nesta dança que reside a poesia visual.

Técnica: Experimente a fotografia em série, regressando ao mesmo local várias vezes para o captar de diferentes ângulos.

Inspire-se em pormenores insignificantes

Os lugares comuns estão cheios de pormenores que muitas vezes passam despercebidos: graffitis quase desbotados numa parede, fendas no asfalto que formam padrões naturais, uma flor solitária a crescer entre duas pedras do pavimento.

Quando isolados e sublimados, estes elementos contam histórias universais. Tornam-se os protagonistas silenciosos das suas criações.

Dica: Utilize uma objetiva macro para captar estes pequenos tesouros visuais. Transforme o insignificante em essencial.

O elogio da imperfeição

Há uma beleza pungente no desgaste, na passagem do tempo marcada nos objectos e nos lugares. Uma cadeira lascada, uma porta a ranger, uma parede manchada pela chuva: tudo isto transporta uma espécie de verdade crua e autêntica.

Não procure sempre a perfeição. Muitas vezes, é o imperfeito que toca e evoca mais.

Reflexão: Incorpore estas imperfeições no seu enquadramento. Faça delas o tema principal e não algo a evitar.

Mude a sua perspetiva

Por vezes, a única forma de reinventar um local familiar é mudar literalmente a sua perspetiva. Deite-se no chão para captar o céu através dos ramos, suba a um ponto alto para obter uma vista aérea ou utilize uma lente grande angular para jogar com linhas e proporções.

A simples mudança de ponto de vista pode transformar um local vulgar num cenário excecional.

Observar as pessoas que lá vivem

Um lugar vazio conta uma história. Mas um lugar revestido de vida humana ganha vida e transforma-se. Observe os gestos, os olhares, as rotinas dos passantes. Uma cena vulgar – uma mulher a ler num banco, uma criança a correr atrás de uma bola – pode tornar-se uma cena universal cheia de emoção.

Dica: Experimente a fotografia de rua. Seja discreto mas presente, para captar a autenticidade sem perturbar.

Cultivar a curiosidade

Finalmente, a melhor forma de encontrar inspiração em lugares comuns é adotar uma mente curiosa. Faça perguntas: quem passou por aqui antes de mim? Que papel desempenhou este sítio na história do bairro? Por vezes, as respostas – ou a falta delas – são suficientes para alimentar a sua imaginação.

Transformar o vulgar num campo de maravilhas

Os lugares comuns são um campo de jogos infinito para os criadores. Com um olhar atento e um coração aberto, qualquer lugar, por mais modesto que seja, pode tornar-se numa potencial obra de arte. Aprenda a observar, sentir e captar a essência destes espaços que contam histórias silenciosas.

Quando se fotografa ou filma o comum, não se está apenas a captar imagens: está-se a captar a essência de um momento, de um lugar, de uma vida. E isso, é uma magia que nunca deixará de surpreender.

Escrito por Alexandrina Cabral

Mais desta categoria

0 Comments

0 Comments

Leave a Reply

Por detrás da lente
Copyright © 2025Alexandrina cabral